sábado, 18 de agosto de 2012

Camaradas não tirem o tacho do povo

Camaradas não tirem o tacho do povo
Escrito por r Raul Senda   
Quarta, 16 Maio 2012 08:22
Finalmente, os deputados da Assembleia da República (AR) aprovaram na generalidade e por consenso, esta quarta-feira, a mais controversa proposta do pacote legislativo anti-corrupção submetido pelo executivo em Julho de 2011. Porém, o acto não terá nenhum efeito prático na medida em que ainda vai ao debate público para depois ser analisado e aprovado na especialidade na próxima Sessão. A interpretação da lei é o pólo da divisão neste momento. A Frelimo defende que o acto só pode ter efeitos jurídicos a partir de 2014 sob o risco de se violar princípio constitucional que defende a não retroactividade da lei enquanto que a Renamo e o MDM defendem o contrário. Isto significa que os deputados atingidos por esta proposta continuarão nos Conselhos de Administração das empresas públicas ou participadas pelo Estado até 2014.

Facto curioso e até certo ponto irónico foi a aclamação dos deputados da bancada da Frelimo à aprovação da lei, depois da resistência que manifestaram em relação àquela proposta.
Camuflada em “imunidade à pressão”, necessidade de “calma e serenidade”, a resistência da bancada da Frelimo foi suscitada por um artigo da proposta que define como sendo incompatíveis as funções de deputado e de gestor de empresas ou institutos públicos, e empresas participadas pelo Estado. À luz da proposta ora aprovada, os deputados estão proibidos de receber remunerações nas instituições mencionadas, seja em forma de salário, senhas de presenças ou honorários. A excepção aplica-se quando as remunerações provêm do exercício da docência em estabelecimentos de ensino públicos, nem os que resultem de fazer parte de delegação oficial, assim como as que advenham do desempenho de cargos em instituições de beneficência. A proposta veda ainda a possibilidade de o deputado celebrar directa ou indirectamente, ou por representação, contrato com a administração pública ou autárquica ou com empresas que tenham participação do Estado.
Na prática sucede que um número considerável de deputados da bancada da Frelimo, alguns membros da Comissão Permanente, são simultaneamente titulares de cargos em órgãos sociais de instituições que estão sob alçada do executivo. Estamos em presença de deputados que têm a particularidade de fiscalizar as suas próprias acções e de legislar em seu próprio benefício.

Deputados “continuam” gestores
A proposta de lei aprovada por consenso na generalidade teve a particularidade de ter pareceres das oito comissões especializadas de trabalho da AR. Com a excepção da primeira comissão, todas produziram um parecer conjunto no qual recomendaram ao plenário a apreciação positiva da proposta. Mas sempre fazendo notar que por princípios de segurança e estabilidade jurídica, as situações jurídicas constituídas anteriormente (à aprovação da proposta) não devem ser prejudicadas pela lei que se pretende aprovar. Ou seja, uma vez que a lei ora aprovada “prejudica” os rendimentos e outros privilégios dos deputados titulares de cargos no domínio do executivo, ela não deverá ter efeitos retroactivos.
Na verdade, nenhum deputado que à luz da Lei de Probidade Pública se acha em situação de incompatibilidade e de conflito de interesses será “prejudicado”, pois ficou “politicamente” acordado que eles serão abrangidos depois de cumprirem com os seus mandatos nas empresas ou institutos onde são gestores.

Pressão e falta de serenidade
Em discurso inaugural da presente sessão, a chefe da bancada da Frelimo, Margarida Talapa, lançou recados ao proponente do pacote legislativo anti-corrupção e a outros interessados pela sua aprovação, ao afirmar que o Parlamento era imune a pressões. A também administradora não executiva da mCel reclamava tempo para os deputados apreciarem com serenidade todas as propostas submetidas pelo executivo.
Esta quarta-feira, o PCA da LAM, ou melhor, o presidente da Comissão dos Assuntos Constitucionais, Direitos Humanos e Legalidade, Teodoro Waty, disse durante a leitura do parecer que a proposta seria aprovada “com falta de serenidade de Casa, como resultado de uma pressão iniciada algures e que trespassou os edifícios do Governo. “Entende-se que uma pressão exagerada também pode consubstanciar conflito de interesse e quiça corrupção”, disse Waty na leitura do parecer da comissão que preside.
A serenidade requerida, diz o deputado com o título de Prof. Doutor em Direito, deveria ser exercida no sentido de que as questões que consubstanciem crime pudessem ser incorporadas no Código Penal, cujo processo de revisão está em curso no Parlamento.
O presidente da primeira comissão questionou se a proposta do executivo era suficiente para cumprir a convenção das Nações Unidas contra a corrupção. Na apresentação da proposta, a ministra da Justiça Benvinda Levi disse que o Código de Ética do Servidor Público, agora lei de Probidade Pública, era também uma resposta às recomendações das convenções das Nações Unidas e da União Africana contra a corrupção e do Protocolo da SADC sobre a mesma matéria.
Para Teodoro Waty, em vez de se dizer que um deputado não pode ser gestor de uma empresa pública, deve se dizer que o deputado que tiver um interesse particular sobre a matéria em discussão deve dizer essa qualidade, antes do debate no Plenário, Comissão ou outro órgão da Assembleia ou outro órgão da Assembleia da República.
Waty entende que o deputado que tiver interesse particular susceptível de causar conflito de interesse não deve ser impedido de participar no debate. Ele deve participar, expor as suas ideias e argumentos que quem delibera é o órgão a que o deputado faz parte.
Sublinha que as regras sobre as declarações  de bens e conflitos de interesses estão dispersas, são contraditórias e imprecisas pelo que urge a sua uniformização.
Retroactividade  da lei
Para Alfredo Gamito, presidente da Comissão de Administração Pública, Poder Local e Comunicação Social, a Constituição da República através do artigo 57 defende que na  República de Moçambique as leis só podem ter efeitos retroactivos quando beneficiam os cidadãos e outras pessoas jurídicas. Pelo que, segundo Gamito, a Lei deverá ser aprovada, mas seguindo o princípio de que as leis não devem ter efeitos retroactivos.
Avançou Gamito referindo que, nestes termos as comissões propõem que a presente Proposta de Lei que aprova o Código de Ética do Servidor Público deve dominar-se Proposta de Probidade Pública.
Outra questão que preocupa Gamito é da origem dos fundos que vão cobrir as despesas de preparação do presente pacote. Entende Gamito que é importante que o Governo tenha em conta e efectue a análise das implicações orçamentais que a sua implementação irá ter de forma a ser adequadamente na lei do Orçamento de Estado de cada ano.
Para Gamito, tendo em conta que os deputados são regidos por estatutos próprios há necessidade de criação de uma Comissão de Ética Parlamentar em vez de serem regidos pelo Código de Servidor Público.
 

Sem comentários: